A aprendizagem da linguagem escrita na idade adulta
Como já tivemos oportunidade de referir, não existe um período crítico para a aquisição do código da escrita. Podemos, no entanto, perguntar se a infância não constitui ainda assim, um período mais sensível para a aprendizagem da leitura e da escrita, aprendizagem que se tornaria mais difícil na idade adulta. São reduzidos os dados existentes sobre este aspecto e é difícil fazer a verificação empírica desta questão, dado que as crianças em idade pré-escolar vivem hoje num ambiente cultural muito diferente daquele que conheceram os adultos analfabetos ou tardiamente alfabetizados que podemos estudar actualmente.
Verificámos, no entanto, que os adultos iletrados não são menos capazes de reagir positivamente a treinos de análise fonémica intencional do que as crianças em idade pré-escolar (Content, Kolinsky, Morais & Bertelson, 1986; Morais, Content, Bertelson, Cary & Kolinsky, 1988). Além disso, há casos de indivíduos que, tendo aprendido a ler e a escrever já adultos, exercem essa capacidade de forma intensiva no âmbito de uma actividade cognitiva exigente, de tal modo que é impossível distingui-los de indivíduos que tenham realizado estudos superiores após uma escolarização normal durante a infância. A título anedótico, podemos referir que o primeiro autor deste trabalho conheceu um português, militante político durante a ditadura de Salazar, que, depois de aprender a ler e a escrever na prisão, se tornou redactor de um jornal e, de um modo geral, um homem cultivado.
Estes casos são, porém, relativamente raros, se tivermos em conta o conjunto da população de indivíduos que fizeram tardiamente a aprendizagem da leitura, dado que poucos destes indivíduos têm oportunidade de viver num ambiente cognitivamente estimulante e de serem fortemente motivados. É, pois, necessário reconhecer que a alfabetização na idade adulta, tal como é, em geral, realizada, tem uma dimensão limitada. Tal como já foi referi- do na secção anterior, os indivíduos tardiamente alfabetizados diferem dos indivíduos analfabetos, no que diz respeito à consciência fonémica, isto é, uma competência estreitamente ligada à aprendizagem da leitura, que pode mesmo ser considerada uma das componentes desta aprendizagem. Estes indivíduos permanecem, contudo, em média, muito semelhantes aos analfabetos e muito diferentes dos letrados escolarizados, no que diz respeito a uma série de outras competências que intervêm na comunicação oral: estratégias de reconhecimento das palavras, co- nhecimentos sintácticos, memória verbal, etc. Por outras, palavras os processos adquiridos durante a alfabetização não influenciam de modo automático as outras funções linguísticas. O indivíduo tardiamente alfabetizado médio ou típico não possui aptidões comparáveis, em termos cognitivos e linguísticos, às do indivíduo que beneficiou de uma escolarização normal.
Recolhido em www.cedefop.europa.eu/etv/upload/information.../8-9_pt_morais.pdf
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